Em encontro do OCAA, especialistas comentam que a política climática chinesa pode abrir caminhos para o Brasil em comércio e meio ambiente
Na última Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em setembro de 2020, o presidente chinês Xi Jinping anunciou uma meta ambiciosa do país de atingir a neutralidade de carbono até 2060. “Isso foi recebido com um misto de surpresa e ceticismo”, contou Tatiana Prazeres, professora na Universidade de Negócios Internacionais e Economia em Pequim, durante participação em encontro do Observatório de Comércio e Ambiente da Amazônia (OCAA), na última quinta-feira (22/07). “A China é o maior emissor de CO2 do mundo e todos se perguntam como o país vai conseguir atingir esse objetivo, já que vai ter uma montanha muito alta de emissões para reduzir em pouco tempo.”
Apesar das dúvidas sobre a viabilidade de concretização desse objetivo, Larissa Wachholz, especialista em agronegócio Brasil-China e que também integrou o painel do OCAA, disse que a China tem um histórico de prometer menos do que pode alcançar e acaba entregando resultados superiores. “No agro brasileiro, existe uma impressão de que os chineses não se preocupam com questões ambientais. Por um lado, há muito de verdade nisso. Por outro, acho que existe também uma incompreensão do quão rapidamente as coisas podem se transformar nesse país”, disse.
Para elas, o compromisso público do gigante asiático em avançar suas políticas climáticas pode ser uma grande oportunidade para o Brasil também. “A preocupação ambiental do mercado chinês tende a aumentar e podemos usar esse interesse cada vez maior a nosso favor para consolidar uma parceria com o país no agronegócio”, comentou Wachholz. “Há oportunidade de mostrar que o Brasil continua sendo um parceiro que consegue entregar na quantidade demandada, atendendo aos requisitos de segurança alimentar, com a qualidade necessária e de forma sustentável.”
3S do mercado chinês
De acordo com Wachholz, atualmente, as principais preocupações do consumidor chinês em relação aos produtos que importam são a segurança alimentar e a qualidade do alimento. «Até há poucas décadas, a China teve problemas gravíssimos de fome. Isso se reflete numa experiência coletiva de se preocupar muito com esses pontos”, disse. Mas a tendência é que a sustentabilidade ganhe cada vez mais peso com essa política climática do país.
“Nas nossas interações com a China, percebemos que as empresas – principalmente da China Meat Association (CMA), que engloba 8 mil membros do setor privado e é uma representação grande da indústria chinesa – estão discutindo a questão sanitária, que é grande por causa da pandemia, e a segurança alimentar. E a sustentabilidade entra como um S adicional”, relatou Daniela Teston, gerente de engajamento corporativo da WWF-Brasil, que também participou do encontro do OCAA.
Teston conta que, em 2017, a CMA lançou uma declaração sobre carne sustentável (Chinese Sustainable Meat Declaration), evidenciando esse direcionamento para a sustentabilidade. Há dois meses, a associação também lançou o chamado green trade, “um tratado que traz com mais clareza essas questões sobre não-desmatamento e conversão, necessidade de mais transparência e rastreabilidade na cadeia, e respeito aos direitos humanos”. O green trade ainda não foi traduzido para inglês ou português.
Impulsionando mudanças positivas no agronegócio brasileiro
Segundo Teston, a China representa hoje um terço da carne in natura exportada do Brasil, por isso o mercado chinês deve ser promotor de mudanças no agronegócio brasileiro.
Para ela, um ponto de atenção é o custo da tecnificação da pecuária para atender a demanda chinesa de carne sem desmatamento, uma vez que o animal exigido é de até 30 meses. Para isso, é necessário que o pecuarista empregue tecnologias de manipulação genética e de nutrição, que não é a realidade de toda a pecuária brasileira no momento, e essa transformação terá um custo. “Há uma oportunidade e necessidade de arranjo, de suporte técnico, para que a gente consiga atender a demanda sem abrir novas áreas”, disse. “O que precisamos é desenvolver mecanismos que consigam incorporar o produtor e chegar na ponta, pois é lá que a transformação precisa acontecer, com a cadeia toda envolvida nisso.”
Wachholz acredita que a China deve começar o processo de transição e finanças verdes pelo mercado doméstico, mas que não deve demorar muito para influenciar o mercado internacional. “É um movimento inicial na China, mas se demorarmos para nos engajar no debate, pode ser tarde demais. A partir do momento em que as decisões são tomadas, existem formas de acelerar os processos. Semanalmente, vemos novos anúncios nas mais diversas áreas, com metas de economia de baixo carbono”, alertou. “Só vamos conseguir demonstrar avanço, se tiver garantia de rastreabilidade dos produtos, demonstrar onde o problema está e quais são as nossas armas”, concluiu Teston.
Sobre o OCAA
O OCAA é uma plataforma que reúne informações qualificadas sobre as relações entre comércio internacional e meio ambiente na Amazônia, estimulando o diálogo embasado na ciência e o engajamento de diversos atores da sociedade.
Foi idealizado por quatro organizações da sociedade civil: Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
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