Lançado hoje, projeto europeu de taxação de carbono divide opiniões, mas é um marco para a incorporação da questão climática nas políticas comerciais
Em 2021, as políticas de comércio e clima estão mais conectadas do que nunca. A União Europeia (UE) assumiu a liderança na implementação do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês), que, em resumo, significa a cobrança de taxas por países que tributam emissões de carbono ao importar produtos de outros países que não o fazem. Na UE, produtos importados com emissão de carbono acima dos padrões europeus serão taxados na fronteira.
A iniciativa tem origem no documento European Green Deal, adotado pela Comissão Europeia, em dezembro de 2019. O mecanismo visa compensar os produtores europeus pelos esforços de mitigação das emissões de carbono, quando tais esforços não encontrarem correspondência entre os parceiros comerciais, buscando garantir que o preço das importações reflita de maneira acurada seu conteúdo de carbono.
De acordo com o anúncio feito pela Comissão Europeia, com o objetivo de oferecer segurança legal e estabilidade, o CBAM será adotado gradualmente a partir de 2023 e estará limitado na fase inicial a um conjunto de produtos com maior risco de “vazamento de carbono”: ferro e aço, cimento, fertilizantes, alumínio e eletricidade.
Vazamento de carbono
A UE argumenta que a introdução do CBAM é necessária para evitar o “vazamento de carbono”. O risco de vazamento de carbono existe pela possibilidade de deslocamento da produção de produtos da União Europeia para países com restrições menores ou isentos de compromisso de redução de emissão – e, portanto, onde o preço do carbono é menor. Além dos efeitos negativos sobre a produção e níveis de emprego nos países mais rigorosos do ponto de vista ambiental, a ocorrência do vazamento de carbono implica em mero deslocamento da origem das emissões, sem reduzir as emissões, em nível global.
Protecionismo climático ou combate à concorrência desleal?
O CBAM, a depender da análise, pode ser visto como “protecionismo climático” ou como uma medida para combater a concorrência desleal. Nesse contexto, o CBAM pode desencadear controvérsias comerciais induzidas pela pauta climática.
As importações que não cumprirem normas ambientais equivalentes às vigentes na UE serão tributadas, visando garantir uma “concorrência justa com aqueles que não impõem restrições de carbono em suas indústrias”.
A UE exigirá que suas indústrias sejam neutras em carbono até 2050. Entretanto, como afirma o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, algo deve ser feito para salvaguardar a competitividade europeia, ameaçada pelo vazamento de carbono. Ele acrescenta: “protegeremos a indústria da UE se ela der os passos históricos de descarbonização na próxima geração”.
Nivelando o campo de jogo
Um setor que ilustra bem essa problemática é a indústria siderúrgica europeia, que atualmente paga por suas emissões de carbono de acordo com o Emissions Trading System (ETS) da UE. No entanto, as siderúrgicas estrangeiras geralmente não são obrigadas a pagar suas emissões, tornando seu preço final mais baixo e competitivo no mercado europeu, apesar de suas maiores emissões de carbono. Para lidar com o risco de vazamento de carbono, o sistema europeu atualmente distribui de forma gratuita algumas licenças no âmbito do ETS.
O CBAM tem como objetivo nivelar o campo de jogo, substituindo gradualmente as licenças gratuitas e agregando às importações de aço o valor proporcional pago pelo ETS pelas siderúrgicas europeias.
O desafio posto à UE é equilibrar a prosperidade econômica com o interesse ambiental, ao mesmo tempo em que garante a conformidade do CBAM com as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). Nesse sentido, o governo da Rússia alerta que a cláusula tarifária não discriminatória da OMC não permite que os países façam distinção entre produtos semelhantes.
A UE está empenhada em promover essa agenda, usando seu poder econômico para “nivelar o campo de jogo”. A expectativa é que este movimento termine por gerar um efeito dominó em outros países. Timmermans diz que a melhor maneira de eliminar o CBAM no longo prazo é fazer com que países como a China, por exemplo, adotem uma abordagem ambiciosa semelhante.
Os setores e países mais afetados
A avaliação dos impactos do CBAM para as exportações brasileiras, e dos países em desenvolvimento de forma geral, depende de critérios técnicos ainda não divulgados pela UE. No caso do Brasil, as cadeias de ferro e aço e de papel e celulose estão entre os setores potencialmente mais afetados, devido ao seu alto consumo de energia. Entretanto, nenhum dos dois setores parece estar mal posicionado, no que se refere à sua intensidade de emissões, quando comparados a seus competidores no mercado europeu.
Segundo estudo da Deloitte, o Brasil não está entre os países mais afetados pela taxação.
Em qualquer cenário, no entanto, pode-se esperar forte reação negativa de grandes países em desenvolvimento e da Rússia, que se perceberão como alvos prioritários dos mecanismos, entre outras razões porque são exportadores para a Europa dos produtos que serão alvo inicial do CBAM europeu.
Saiba mais:
EU Climate policy goes global: Introducing a Carbon Border Adjustment
Carbon Border Adjustment Mechanism: Questions and Answers
Daniel Bergamo é coordenador do OCAA e analista de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Sandra Rios é diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).
O IPAM e o Cindes são organizações fundadoras do OCAA, juntamente com o Instituto Clima e Sociedade (iCS) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Este conteúdo é de acesso livre