O desenvolvimento da Pan-Amazônia não pode ser pautado só na economia


em 20/07/2021

O mundo inteiro vem discutindo propostas para salvar a Amazônia, mas o primeiro passo precisa ser uma mudança de narrativa em que o desenvolvimento não seja pautado apenas no crescimento econômico. “Ainda somos obrigados a justificar como fazer a conservação da floresta na perspectiva do que poderia ser um ganho econômico, sem que haja um espaço para abordar o valor que a floresta tem nas suas múltiplas dimensões”, destacou Adriana Ramos, assessora política e de direitos socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), durante participação em encontro do Amazoniar na última quinta-feira (15/07), que teve como tema “Uma Amazônia em 9 países: inúmeras culturas em um só bioma”.

Para Gregório Mirabal, coordenador geral da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), que também participou do último encontro do Amazoniar, as múltiplas crises resultantes da pandemia de Covid-19 evidenciam a importância de um olhar mais abrangente para a região. “A pandemia não tem fronteiras […] não tem distinção de ideologia nem de partido político. Todos vêem a Amazônia como um negócio, como uma forma de sair da crise econômica”, disse.

“Nosso grande problema é o enfrentamento de fortes interesses econômicos que se colocam como mais relevantes do que o interesse da conservação”, comenta Ramos. Segundo ela, a informação pode ajudar e oferecer mais elementos para que a sociedade se mobilize, mas a luta “sempre vai ser de cunho econômico, contra uma lógica exploratória e colonial que não é pensada para o próprio desenvolvimento da Amazônia”.

A chave está na própria Amazônia

Ramos alerta que a resposta para a conservação e o desenvolvimento da Amazônia está dentro do território. “Existe uma arrogância da nossa sociedade de buscar uma solução tentando reinventar coisas que já fazem parte da realidade indígena há séculos.”

Para ela, a bioeconomia ilustra bem essa situação. “Acredito que a economia a partir da floresta em pé e do uso da biodiversidade pode ser um caminho para o futuro, mas não pode ser uma bioeconomia feita dentro de laboratórios, que vai tentar reproduzir o valor da biodiversidade fora da floresta”, disse. “Os povos indígenas nos trazem uma diversidade de repertório e possibilidades que não precisa ser reinventada pela ciência moderna. Ela precisa ser primeiro respeitada para então podermos pensar em qualquer outra solução que venha daí”, ressaltou.

“Nascemos na selva e aprendemos a conviver, valorizar e respeitar nossos territórios desde sempre. Pensamos na Amazônia como um ser vivo, do qual somos parte. O que conservamos da natureza é resultado do nosso trabalho milenar, que é chave para que a humanidade continue vivendo”, complementou Mirabal.

De acordo com Ramos, precisamos ouvir a perspectiva indigena e rever nossa construção de soluções a partir desse conhecimento milenar do uso sustentável da floresta. “Tudo que a ciência conseguiu aferir foi reconhecendo que o manejo tradicional dos povos indígenas é a melhor forma de se manter a floresta em pé”, afirmou.

Ela ainda criticou o fato de que muitas empresas que ameaçam territórios indígenas com a exploração de recursos naturais usam discursos de responsabilidade socioambiental e compromisso climático. “Precisamos colocar o conhecimento tradicional e a defesa dos territórios indígenas como eixo central de qualquer perspectiva de futuro da Amazônia. Essa mudança de compreensão é um trabalho que todos nós precisamos fazer coletivamente. Só assim vamos conseguir de fato construir alternativas para uma Amazônia mais justa. São grandes desafios, mas a luta dos povos indígenas nos dá muitas chaves para seguir nessa perspectiva”, disse.

A governança da Pan-Amazônia além de fronteiras

Outro desafio na região é a governança do território, que tem sido uma questão central para as comunidades indígenas. A Pan-Amazônia atravessa nove países, é lar de mais de 400 povos indígenas, abriga a maior rede hidrográfica mundial, contém os maiores estoques de carbono e coexiste com uma das maiores concentrações de biodiversidade do planeta. E essa terra de superlativos precisa de uma governança que vá de encontro com sua grandeza e supere fronteiras geopolíticas.

“Há 10 mil anos, não haviam outros governos nem outros povos nesse território. É importante considerarmos comunidades e nações com direito a autodeterminação, porque temos um governo próprio territorial”, apontou Mirabal. “Temos contextos políticos institucionais muito distintos, especialmente do ponto de vista de políticas socioambientais, do reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e da conservação ambiental, mas com desafios similares”, explicou Ramos.

Para ambos, é preciso uma visão mais integrada da Amazônia, e é a partir da articulação dos diferentes atores que coexistem na região que será possível pensar numa melhor governança compartilhada desse território tão importante para o mundo.

Sobre o Amazoniar

O Amazoniar é uma iniciativa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) para promover um diálogo global sobre a floresta amazônica e sua influência nas relações entre o Brasil e o mundo.

O segundo ciclo de debates teve como foco os povos indígenas e o seu papel como principais aliados no combate ao desmatamento e na conservação da floresta, sua contribuição para a ciência e para a cultura, bem como seu impacto no desenvolvimento sustentável da região.

Para receber as novidades dos próximos encontros, cadastre-se na newsletter do Amazoniar.