Novo episódio do OCAA Webinários levantou reflexões sobre o impacto da legislação europeia na economia e agropecuária nacional
A legislação antidesmatamento da União Europeia (UE), aprovada no mês passado, promete mudar a dinâmica de entrada de diversas commodities no continente. Os países exportadores de óleo de palma, gado, soja, café, cacau, madeira e borracha, como o Brasil, vão precisar comprovar que esses produtos não provêm de áreas desmatadas ou degradadas.
No OCAA Webinário de ontem (15), discutiu-se quais os impactos dessa novidade para o comércio e produção agrícola do Brasil. Os exportadores precisarão cumprir obrigações de rastreabilidade e due dilligence e as regras também se aplicam a vários produtos derivados, como chocolate, móveis, papel impresso e derivados selecionados à base de óleo de palma (também conhecido como óleo de dendê).
“Um webinário que considero épico e histórico”, assinalou Patricia Pinho, coordenadora do Observatório de Comércio e Ambiente da Amazônia (OCAA) e diretora adjunta de Pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que foi a mediadora do debate.
Confira o webinário completo:
Etapas da legislação
A lei foi aprovada pela União Europeia em 16 de maio deste ano, mas a legislação entrará em vigor oficialmente no dia 29 de junho de 2023. Foi o que explicou Nicole Polsterer, gerente de consumo e produção sustentáveis da ONG Fern, uma das palestrantes do webinário.
Até 30 de dezembro de 2024, os exportadores de médio e grande porte devem estar em compliance com a legislação. Já aqueles de pequeno porte terão um prazo um pouco mais extenso: até 30 de junho de 2025.
E como funciona na prática?
“A due diligence é uma ferramenta comum, então provavelmente esse é o motivo de ter sido escolhida”, aponta Polsterer. De acordo com ela, o mecanismo implica que as empresas produtoras dessas commodities precisam implementar um processo de três etapas antes de colocarem os produtos no mercado. A primeira é coletar informações sobre esse produto, tais quais de onde vem e quando foi cultivado.
Em seguida, vem a etapa de avaliar os riscos e ver se tudo está de acordo com as exigências da legislação. Se não estiverem em compliance, devem implementar medidas de mitigação de riscos, que é a terceira etapa. “Na maioria dos casos, essas medidas são relacionadas a coletar mais informações ainda, talvez com uma auditoria especial. Ou pode ser apoiar os pequenos proprietários na cadeia de suprimentos para poderem estar aptos a cumprir as exigências antes de colocar os produtos no mercado”, explica.
Para que a due dilinge ocorra como esperado, “um dos pontos é que as empresas precisam saber exatamente de onde vem os produtos”, ressalta Polsterer. Por isso, dados de geolocalização são fundamentais.
No entanto, ainda há incertezas nos detalhes de como será na prática. Nicole Polsterer acredita que a aprovação da legislação foi só o pontapé para estreitar a discussão de como as exigências serão cobradas e como afetará o comércio dos países. A especialista destaca que revisões devem ser feitas ao longo dos anos e que a União Europeia e os países exportadores devem construir instrumentos juntos para que não fiquem lacunas sobre as normas. “É só o início da discussão e da cooperação, espero”, conclui.
Como pode afetar o agronegócio?
Para Ricardo Arioli, presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a legislação deveria focar mais em gratificar os produtores que já combatem o desmatamento, ao invés de focar apenas em restrições ou punições. “Poderia ter uma entrada diferenciada para quem está fazendo certo”, sugeriu.
Arioli apresentou no evento as possíveis implicações da legislação para a produção brasileira e demonstrou preocupação com os custos e penalidades que o documento podem trazer, mesmo para produtores em compliance. Como exemplo, ele destacou que no Brasil já é obrigatório cumprir diversas normas de proteção ao meio ambiente, como a obrigatoriedade de que, dentro da propriedade do agronegócio, se mantenha uma porcentagem com a floresta intacta. “É uma área privada, que pertence aos produtores. Não é uma área do governo, nós temos um custo de manter essa área intocada”, acentua.
Seu receio, então, é de que esse tipo de medida, que já são consolidadas no Brasil, não sejam levadas em consideração nas exigências da UE. Arioli evidenciou os avanços que foram feitos nacionalmente, em especial após o Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012). “Nos últimos dez anos, a agropecuária brasileira mudou muito. Temos também o CAR [Cadastro Ambiental Rural], diferente de outros países”, salientou.
Como são as exportações brasileiras atualmente?
Para prospectar os impactos da legislação no comércio nacional, Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES), apresentou no webinário os resultados de um estudo que avaliou o cenário atual de exportações brasileiras para a União Europeia. Você pode ler na íntegra aqui.
O relatório, produzido pelo CINDES, analisou as exportações brasileiras e importações europeias feitas em 2021, com base nos anos 2010, 2015 e 2020. O mapeamento mostra ainda a sensibilidade potencial das exportações à nova regulação. “A UE tende a ser um mercado importante para a maioria dos produtos, com destaque para o café”, informou Veiga. Basicamente, metade (52%) do café que sai do Brasil vai para o bloco europeu.
“No conjunto de produtos listados, o Brasil é um fornecedor relevante do mercado europeu, mas varia muito segundo os produtos”. Por exemplo, enquanto soja e celulose têm os maiores market-share no mercado da UE: 46% e 38%, respectivamente, em 2020.
Os dados são importantes para entender que parcela do mercado seria atingida e o nível de importância que essas exportações brasileiras têm para a UE.
Pontos discutíveis da legislação
A adoção desta nova regulação europeia representa um passo relevante para o enfrentamento global do desmatamento, além de sinalizar a atuação pioneira da União Europeia na mobilização de mecanismos de política comercial para promover objetivos climáticos e ambientais. No entanto, existem pontos que ainda precisam ser analisados. Confira a análise que o OCAA fez aqui.
Sobre o OCAA
O OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia) é uma plataforma que reúne informações qualificadas sobre as relações entre comércio internacional e meio ambiente na Amazônia, estimulando o diálogo embasado na ciência e o engajamento de diversos atores da sociedade pela prosperidade socioeconômica e ambiental na Amazônia.
Foi fundado por quatro organizações da sociedade civil: IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), iCS (Instituto Clima e Sociedade) e Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Confira as gravações de todos os webinários do Observatório aqui.
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