A definição sobre o que é “desmatamento” se tornou uma frente de disputa no desenho da política que a União Europeia (UE) quer adotar para barrar importações de commodities agrícolas associadas a áreas desmatadas.
Se a proposta abranger apenas o desmate de “florestas”, conforme definição da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – e presente na proposta elaborada pela Comissão Europeia -, 74% da área ainda preservada no Cerrado poderia ser desmatada para a produção de commodities que poderiam ser exportadas para o bloco. Mas se o projeto quiser barrar o desmatamento de regiões em “terras com madeira”, um outro conceito também da FAO, a desproteção do bioma na cadeia de fornecimento da UE cairia para 18%.
No Parlamento Europeu, a matéria vem passando por debates e alterações. Em abril, o Comitê Ambiental do legislativo do bloco propôs mudanças, entre as quais a inclusão do conceito de desmate de “terras com madeira”, como savanas, e de “degradação” de coberturas vegetais.
Uma eventual exclusão da vegetação rasteira do Cerrado na proposta europeia teria forte impacto na política ambiental que a UE está tentando adotar. A maior parte da produção de grãos e da criação de gado do Brasil é feita no bioma, assim como a maior parte das importações de soja e carne bovina realizadas pela União Europeia provém do Cerrado.
Nos últimos cinco anos, 65% da soja que a UE importou com possível relação com áreas desmatadas vieram do bioma. No caso das importações de carne bovina, 37% do volume com possível associação a desmatamento recente saíram de pastos do Cerrado. Os dados mostram que o bioma é um ponto crítico caso a UE queira barrar o desmatamento em suas cadeias de fornecimento. O uso apenas do conceito de florestas da FAO também excluiria do mecanismo as commodities eventualmente produzidas em área que corresponde a 76% do Pantanal. A definição do conceito também afetará as áreas livres de barreiras na Argentina e no Paraguai.
Estudo realizado pela iniciativa Trase, a pedido da bancada verde do Parlamento Europeu, alerta que a política do bloco, se aprovada utilizando somente o conceito de “florestas” da FAO, pode “deslocar a conversão de terras para áreas desprotegidas”, como as que são classificadas como “terras com madeira”. O bloco de parlamentares ambientalistas da UE defende que a nova legislação barre commodities produzidas em quaisquer ecossistemas naturais convertidos recentemente, e não apenas em “florestas” ou “terras com madeira”.
Esta análise do CINDES (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), membro do OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia), faz parte da quinta edição da newsletter Comércio e Desenvolvimento Sustentável. Leia a newsletter do CINDES na íntegra.
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