A bioeconomia pode contribuir com o desenvolvimento da Amazônia


Lays Ushirobira in 21/03/2022
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Em encontro do OCAA, Juliano Assunção (CPI/PUC-Rio), Maria Nice Machado (CNS), Carlos Nobre (IEA-USP) e Mário Ribeiro (UFPA) discutiram o que falta para viabilizar a bioeconomia na região.

A bioeconomia sozinha não vai salvar a Amazônia, mas é peça fundamental para o território e suas populações. “O que vai gerar de fato bem estar e emprego em escala na região é um conjunto de intervenções. Essa agenda que a gente chama genericamente de bioeconomia vai fazer parte desse cenário, porque ela tem a ver com aproveitamento de vários dos recursos disponíveis ali”, disse Juliano Assunção, diretor executivo do Climate Policy Initiative Brasil e professor do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na última quinta-feira (14/03) em participação no webinário “A viabilidade da bioeconomia”. O evento foi moderado por Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração de Desenvolvimento (Cindes), e encerrou a série “Diálogos sobre bioeconomia amazônica e comércio internacional”, promovida pelo OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia).

Confira a gravação do encontro na íntegra:

Assunção destacou dois pontos que é preciso ter em consideração para pensar em caminhos para a bioeconomia na Amazônia, com base em um estudo realizado pela iniciativa Amazônia 2030. O primeiro é que o Brasil desmatou muito mais do que deveria e há espaço que poderia ser ocupado de forma mais eficiente. “Entre 2004 e 2012, período de maior redução do desmatamento na região, a produção agropecuária aumentou e não foi pouco. Por razões históricas, temos a possibilidade de aumentar muito nossa produção agropecuária em áreas abertas, sem desmatar a Amazônia. Esse é um ponto central para qualquer iniciativa de desenvolvimento da região”, explicou. Segundo ele, nos últimos 20 anos a produção de alimentos cresceu basicamente pelo aumento de produtividade. “Essa ideia de que é possível produzir mais nas áreas já abertas é muito mais do que uma possibilidade teórica: é algo que está em curso no mundo há pelo menos duas décadas.”

Outro ponto importante é a estrutura de emprego e geração de renda da região. De acordo com Assunção, a taxa de informalidade na Amazônia é muito maior do que no resto do país, chegando a quase 60%. Além disso, o setor de serviços e comércio é responsável pela maior parte da geração de empregos, que estão concentrados principalmente em áreas urbanas. A bioeconomia tem potencial para melhorar esse cenário: o estudo Amazônia: territórios da comida mostra que a combinação da biodiversidade amazônica com negócios relacionados à comida e dispostos a expandir a distribuição de seus produtos pode contribuir com o desenvolvimento da região.

O mesmo estudo mostra que, entre os produtos exportados pela Amazônia entre 2017 e 2019, 64 são classificados como “compatíveis com a floresta” e geraram uma receita anual de US$ 298 milhões. Embora o valor pareça alto, o mercado global desses mesmos produtos movimentou US$ 176,6 bilhões por ano, o que significa que a Amazônia teve uma participação de apenas 0,17%. “Uma agenda de bioeconomia possível está associada a um trabalho voltado a esses produtos que podem ter mais escala e já encontram uma base instalada na região capaz de produzir. Com isso, a gente consegue compor uma carteira de diferentes iniciativas que vão desde uma bioeconomia que já existe na Amazônia e precisa ganhar escala, até uma bioeconomia mais de fronteira tecnológica e que vai requerer uma série de condições específicas”, disse Assunção.

O que falta para viabilizar a bioeconomia amazônica

“O que falta mesmo é a comunicação e o investimento. Na hora que tiver isso, além de um instituto focado para esse desenvolvimento, respeitando as nossas culturas e tradições, aí o cenário vai mudar, porque o produto já temos”, ressaltou Maria Nice Machado, representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e presidente da Associação de Comunidades Negras Quilombolas do Maranhão, que também participou do webinário do OCAA.

Machado destacou que o investimento em melhoria da estrutura existente e a comunicação de iniciativas das comunidades poderiam contribuir não apenas para a geração de renda, como também para a defesa ambiental, a diminuição da taxa de informalidade e a redução da violência. “Com uma política voltada para que nossos produtos cheguem aos mercados, a pobreza vai diminuir”, afirmou.

Para Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e também painelista no evento, é importante pensar também na agregação de valor dos produtos da floresta – e a tecnologia tem um papel-chave para viabilizar a bioeconomia na região. Ele mencionou um projeto da iniciativa Amazônia 4.0 que pretende levar algumas tecnologias para o território. “A indústria 4.0 se tornou muito barata, as tecnologias podem ser usadas em várias escalas, são muito amigáveis, duráveis, fáceis de aplicar. Então a ideia do projeto é levar algumas dessas tecnologias à Amazônia e mostrar a viabilidade em ambientes rurais e urbanos para começar a desenvolver uma agregação de valor”, contou Nobre. O primeiro projeto começará a ser implementado ainda neste ano: um laboratório para processamento na cadeia do cupuaçu e do cacau. “Esse laboratório produz cerca de 10 produtos, tanto do cupuaçu quanto do cacau, e não gera resíduos porque todos são reutilizados. Vamos tentar capacitar essas comunidades em parceria com a Conexsus, e atrair jovens eco-empreendedores”, explicou.

Além disso, ele disse que a iniciativa está desenvolvendo a chamada Amazônia Business School, uma plataforma online que oferecerá cursos para uma bioeconomia de floresta em pé, e também começou a estudar a viabilidade para desenvolver um instituto de tecnologia da Amazônia. “Estudos mostram que sistemas agroflorestais em toda a Amazônia trazem renda cinco vezes maior do que a pecuária, duas vezes maior do que a soja, e beneficiam um número muito maior de pessoas”, afirmou.

Mário Ramos Ribeiro, professor da Universidade Federal do Pará e integrante do painel, ressaltou – em referência ao trabalho de Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998 – que além de um sistema de inovação e uma integração econômica, é preciso “expandir as capacidades” das comunidades do território, ou seja, aumentar suas oportunidades e poder de escolha. “Quando se compara Holanda e Brasil, o que eles têm lá que não temos aqui? Bens públicos. O Estado brasileiro não produz bens públicos, e aqui na Amazônia muito menos: saúde, educação, inovação, saneamento”, disse.

Sobre o OCAA

O OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia) é uma plataforma que reúne informações qualificadas sobre as relações entre comércio internacional e meio ambiente na Amazônia, estimulando o diálogo embasado na ciência e o engajamento de diversos atores da sociedade pela prosperidade socioeconômica e ambiental na Amazônia.

Foi fundado por quatro organizações da sociedade civil: IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), iCS (Instituto Clima e Sociedade) e Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Para receber as principais notícias sobre comércio e meio ambiente na Amazônia, inscreva-se na newsletter do OCAA.


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