Qual é a bioeconomia que a Amazônia quer?


Lays Ushirobira in 22/02/2022
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Em encontro do OCAA que reuniu representantes do setor privado, academia e sociedade civil, convidados destacam pluralidade da bioeconomia 

Na Amazônia, a bioeconomia vem sendo destacada como uma possível alternativa para suprir demandas comerciais e, ao mesmo tempo, respeitar a integridade da sociobiodiversidade. No entanto, por se tratar de um conceito relativamente novo, há diferentes entendimentos do que ela é. Afinal, qual é a bioeconomia que a região quer? Em encontro realizado pelo OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia) na última quinta-feira (17/02), os convidados apontaram que não há uma resposta única para essa pergunta.

“A bioeconomia é muito plural. Cada um vai adotar o conceito que melhor se adequa à sua realidade e ao seu contexto”, disse Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, em participação no encontro. “Há diversas Amazônias e provavelmente para cada uma delas você terá uma bioeconomia mais adequada ao local. Não tem como ter uma política pública única, mas podemos ter uma ambição só: a de recuperar o território desmatado”, completou Denis Minev, presidente da Bemol e co-fundador da Plataforma Parceiros pela Amazônia.

De encontro com esse princípio de respeitar a diversidade amazônica, um ponto essencial destacado durante o painel é que é preciso priorizar os interesses das comunidades locais às pressões do mercado. “Dentro dos processos de economia, não podemos abrir mão de valores que vão além de uma questão de mercado. Para nós, uma iniciativa de sociobioeconomia ou qualquer variável dela precisa dialogar com uma economia sustentável, que respeite a cultura da comunidade e mantenha o uso coletivo da terra”, ressaltou Joaquim Belo, secretário de relações internacionais do CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros). “Se todo mundo discute bioeconomia mas ignora as comunidades amazônicas, tem alguma coisa errada aí. É preciso que esses povos estejam na mesma mesa que os bancos e as empresas.” 

Além disso, é importante pensar na bioeconomia como algo que funcione para o coletivo. “Se entendermos a bioeconomia nesse sentido [literal] de uma economia para cuidar da vida de todos os seres vivos, então ela deveria ter metodologia e finalidade próprias. Essa palavra vem no contexto das mudanças climáticas e, se é para contra-atacar o aquecimento global, ela tem que ser formulada nesse sentido”, destacou André Baniwa, liderança do povo Baniwa e representante da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).

Veja a gravação do encontro na íntegra:

Caso do açaí: pressões de mercado levam para os mesmos problemas

Durante o encontro, os convidados falaram sobre a bioeconomia como uma oportunidade de encontrar novas soluções para os desafios da Amazônia, e analisaram a experiência atual com as mudanças na produção do açaí para atender a crescente demanda dentro e fora do país.

Como ressaltado por Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e moderador do painel, a demanda crescente por açaí, principalmente de exportações, não apenas aumenta os preços locais, como também pressiona por mais produtividade, “o que resulta na diminuição da biodiversidade da floresta e chega a pressionar por uma monocultura”. “Às vezes aparecem propostas aparentemente muito bem intencionadas mas que podem levar a consequências catastróficas”, alertou Ferreira. Para ela, em meio ao paradigma de desenvolvimento, a “açaízação” e o empobrecimento florestal pela intensificação da extração do açaí pode induzir o país a reproduzir os mesmos erros, trazendo sérios riscos ambientais e sociais. “Trazer renda de qualquer maneira e a qualquer custo não traz benefícios para as comunidades”, ressalta.

Segundo Baniwa, a produção de escala não é adequada à bioeconomia. “O açaí tem várias subespécies. Quando selecionamos uma “mais produtiva” e ignoramos as outras, empobrecemos a biodiversidade. Por isso falo de pensar em novas metodologias, porque essa abordagem de mercado acaba desvalorizando a diversidade do açaí”, afirmou. De acordo com Ferreira, estudos da Embrapa mostram que 50% dos polinizadores do açaí são abelhas nativas, que dependem das áreas florestais dessa produção. “Sem esses polinizadores que vivem na floresta, a própria produção está ameaçada. Não há bioeconomia nesse caso se considerarmos que bioeconomia é mais do que um conceito, é um imperativo ético normativo”, explica ela.

“Corremos um risco muito grande na modalidade que responde aos anseios do mercado. Se houver um controle do mercado através do cultivo, haverá empobrecimento. A borracha é um exemplo disso e pode acontecer com o açaí e qualquer outra espécie”, concordou Belo. “O mercado asiático, por exemplo, que representa um campo muito vasto de consumo e ainda nem entrou no jogo, se entrar vai ser um “Deus nos acuda”. Temos que estar atentos ao que está acontecendo.”

Para Minev, a monocultura de açaí “não é uma má solução para as áreas degradadas, já que provavelmente isso é melhor do que pasto”, mas compartilhou algumas iniciativas para desenvolver melhores sistemas agroflorestais. Uma delas é a plantação em consórcio, que é o cultivo de duas ou mais espécies numa mesma área e, segundo ele, pode torná-las mais produtivas do que seriam numa monocultura. Ele também reforçou a importância de empreendedores desenvolvendo inovações. Como exemplo, Minev citou uma balsa-indústria que circula pelo interior do estado do Amazonas, coletando e processando açaí de calhas de rios que não teriam compradores por estar muito distante do mercado consumidor. “Obviamente não há uma estrutura de mercado definida, mas acho que vamos encontrar uma estrutura melhor do que simplesmente o extrativismo e melhor do que a monocultura”, disse. 

Participe do próximo encontro sobre bioeconomia do OCAA

No dia 17 de março, o OCAA promoverá o segundo e último encontro da série de webinários “Diálogos sobre Bioeconomia Amazônia e Comércio Internacional”. O webinário “A viabilidade da bioeconomia na Amazônia” terá como objetivo discutir como a bioeconomia pode contribuir para a geração de renda e o papel do comércio internacional para o desenvolvimento sustentável para a região. Os painelistas serão confirmados em breve.

17/03 às 15h (Brasília)
A viabilidade da bioeconomia na Amazônia
Inscreva-se: bit.ly/OCAA-bioeconomia


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